13 de novembro de 2004

Sopa de Pedra

Valdi Craveiro Bezerra

O velho tinha acabado de chegar à pequena cidade, e sua fome indicou-lhe as horas. Atravessou a rua de chão batido e procurou abrigo na sombra do velho cajueiro, que marcava o encontro com uma das poucas ruas transversais do lugar. Juntou um punhado de gravetos, quebrou alguns galhos secos e começou a fazer uma trempe com algumas pedras graúdas. Quando as chamas começaram a tomar vida, enroscando, dando saltos e estalos, foi até a esquina do outro lado e bateu palmas delicadas, olhando por cima da meia-porta entreaberta, com seus olhos miúdos de alegria, contemplando o vulto da mulher que veio ao seu encontro.
- Bom dia, o que você quer? Perguntou a mulher procurando na memória se já o conhecia ou não.
- Você pode me emprestar uma panela para eu fazer uma sopa de pedra? Disse o velho.
-Uma sopa de pedra?
-É, uma deliciosa sopa de pedra, não tem coisa igual, falou o velho com uma expressão de prazer tão grande que aprisionou a curiosidade da mulher.
- Olhe, eu vou lhe emprestar esta panela só pra ver você fazer esta tal sopa maravilhosa de pedra.
- Bem, se você me der um pouco de água também, eu lhe mostro.
O velho colocou a panela com água sobre a trempe, já com o fogo alto e, começou a desembrulhar lentamente uma pedra de seixo branco, com uma satisfação muito grande. Deitou a pedra na palma da mão retirando uns fiapos do tecido presos na pedra, e colocou delicadamente dentro d’água. Naquele instante, o vizinho já estava ao lado perguntando a dona da panela o que era quilo. A mulher com um olhar de quem não está acreditando muito, disse: “Ele disse que vai fazer uma sopa de pedra.”.
- De pedra? Esta sopa não leva sal não? Perguntou o vizinho provocando um pouco.
- Precisa não, mas se tiver fica melhor. O vizinho trouxe um pouco de sal e perguntou: “Eu trouxe uma cebola e um tomate também, mas não quero atrapalhar, só se poder.”
- Não carece não, mas se temperar do seu jeito fica melhor, assentiu o velho. Da pequena multidão foi surgindo indagações a respeito se aquela sopa de pedra não levava também um pouco de cenoura, outro achava que um pouco da couve de sua horta deixaria o caldo mais grosso. O dono do boteco falou do balcão: “Sopa sem carne? Se botar um pouco muda muito sua sopa de pedra? Eu tenho um pedaço de músculo, se quiser?.... “ Com a mesma humildade que pediu emprestado a panela, o velho ia aceitando e confirmando todas as sugestões e contribuições dos curiosos, sem deixar de mexer a sopa por nenhum momento, pois este sim, era o verdadeiro segredo. Apesar de, a todo momento surgir um candidato para mexer a sopa, o velho muito delicadamente dizia: “Vocês já estão ajudando muito este velho com a sopa de pedra dele, mas eu é que devo mexer”. Como um milagre, a cada contribuição, a sopa foi tomando corpo, ficando colorida e rica, com um cheiro delicioso com tantos ingredientes partilhados pela pequena multidão. Satisfeito com o cozimento, o velho olhou para o pequeno grupo e perguntou: “Vocês querem provar de minha deliciosa sopa de pedra?
Como que de repente já esperado, surgiram vários pratos, que foram servidos um a um pelo velho com uma alegria de dividir aquele momento e uma indisfarçada expectativa no olhar, como que perguntando se eles tinham gostado. Os olhares abismados uns para os outros, cabeças assentindo após cada colherada, o estalar dos lábios e o fato de não ter sobrado uma gota na panela, encheu de contentamento o velho. Sim, a sopa tinha ficado deliciosa!
Quando acabou de comer, com a mesma delicadeza e calma, o velho lavou, enxugou e embrulhou sua preciosa pedra, guardando no bolso com gestos de quem não quer chamar a atenção. Agradeceu um a um e pegou a estrada. A pequena multidão meio atordoada, meio sem entender e ao mesmo tempo entendendo o que tinha acontecido, mantinha um silêncio de aproveitar o momento. Saber que poderiam fazer uma sopa daquelas com tantos ingredientes não importava, diante da emoção por ter compartilhado a construção do impossível. Foi quando a dona da panela, começando andar em direção a sua casa disse: “Vamos pra casa gente, se pensar muito vai acabar estragando a sopa de pedra!”. (Fev.2004) (4)

Um comentário:

Anônimo disse...

Se cada um oferecer sua contribuição, tudo pode se torna melhor! Parabéns, Valdi.