13 de novembro de 2004

O Inglês e o pescador do Parnaíba

Valdi Craveiro Bezerra. [1]

Certo dia, um inglês chegou à beira do rio Parnaíba e pediu a um pescador que o levasse de canoa até o outro lado, na Ilha Grande.
O rio estava cheio, um pouco agitado, com correntezas surgindo de repente, formando verdadeiros redemoinhos. Quase no meio da travessia, o comportamento apreensivo do pescador, olhando sem parar para um pequeno vazamento no fundo da canoa, criou certo clima de tenso no inglês. Este, para quebrar o clima e puxar conversa, perguntou:
- Meu pobre homem, você sabe ler?
- Sei não sinhô. Respondeu o pescador sem olhar para o inglês, remando cada vez mais forte, olhando para a outra margem que parecia mais distante do que de fato era.
- Mas sabes ao menos escrever teu nome, insistiu o inglês de forma inquisitiva.
- Sei não sinhô. Retrucou o pescador remando cada vez mais rápido e bastante apreensivo para chegar do outro lado do rio, pois não dava mais para voltar.
- Que pena! Exclamou o inglês com um ar de caridade prepotente. De cima de seu pedestal, com um porte de imensa superioridade indiscutível, deferiu o golpe final:
- Meu pobre homem, você perdeu a metade de sua vida! Após palavras tão sábias e profundas, o inglês deu um olhar perdido, ou longo do rio. Foi quando o pescador “aperriado”, tentando remar além de suas forças, o interrompeu de sua imensidão e perguntou:
- O moço sabe nadar?
- Não, eu não sei nadar. Respondeu o inglês com um ar de superioridade de quem não perdia tempo com coisas banais e insignificantes. O pescador olhou nos olhos do inglês, e falou para o inglês com um leve sorriso:
- Então “ocê” vai perder é a vida inteira, pois a canoa “ta” afundando e eu vou é salvar a minha metade.

Meu pai sempre que contava esta história, terminava dizendo: “Ao conhecer uma pessoa, você pode se comportar como burro ou inteligente. Se for burro, vai tentar mostrar que sabe mais que ele. Se for inteligente, vai tentar aprender o que ele sabe mais que você.”


[1] História contada por meu pai como piada.

Sopa de Pedra

Valdi Craveiro Bezerra

O velho tinha acabado de chegar à pequena cidade, e sua fome indicou-lhe as horas. Atravessou a rua de chão batido e procurou abrigo na sombra do velho cajueiro, que marcava o encontro com uma das poucas ruas transversais do lugar. Juntou um punhado de gravetos, quebrou alguns galhos secos e começou a fazer uma trempe com algumas pedras graúdas. Quando as chamas começaram a tomar vida, enroscando, dando saltos e estalos, foi até a esquina do outro lado e bateu palmas delicadas, olhando por cima da meia-porta entreaberta, com seus olhos miúdos de alegria, contemplando o vulto da mulher que veio ao seu encontro.
- Bom dia, o que você quer? Perguntou a mulher procurando na memória se já o conhecia ou não.
- Você pode me emprestar uma panela para eu fazer uma sopa de pedra? Disse o velho.
-Uma sopa de pedra?
-É, uma deliciosa sopa de pedra, não tem coisa igual, falou o velho com uma expressão de prazer tão grande que aprisionou a curiosidade da mulher.
- Olhe, eu vou lhe emprestar esta panela só pra ver você fazer esta tal sopa maravilhosa de pedra.
- Bem, se você me der um pouco de água também, eu lhe mostro.
O velho colocou a panela com água sobre a trempe, já com o fogo alto e, começou a desembrulhar lentamente uma pedra de seixo branco, com uma satisfação muito grande. Deitou a pedra na palma da mão retirando uns fiapos do tecido presos na pedra, e colocou delicadamente dentro d’água. Naquele instante, o vizinho já estava ao lado perguntando a dona da panela o que era quilo. A mulher com um olhar de quem não está acreditando muito, disse: “Ele disse que vai fazer uma sopa de pedra.”.
- De pedra? Esta sopa não leva sal não? Perguntou o vizinho provocando um pouco.
- Precisa não, mas se tiver fica melhor. O vizinho trouxe um pouco de sal e perguntou: “Eu trouxe uma cebola e um tomate também, mas não quero atrapalhar, só se poder.”
- Não carece não, mas se temperar do seu jeito fica melhor, assentiu o velho. Da pequena multidão foi surgindo indagações a respeito se aquela sopa de pedra não levava também um pouco de cenoura, outro achava que um pouco da couve de sua horta deixaria o caldo mais grosso. O dono do boteco falou do balcão: “Sopa sem carne? Se botar um pouco muda muito sua sopa de pedra? Eu tenho um pedaço de músculo, se quiser?.... “ Com a mesma humildade que pediu emprestado a panela, o velho ia aceitando e confirmando todas as sugestões e contribuições dos curiosos, sem deixar de mexer a sopa por nenhum momento, pois este sim, era o verdadeiro segredo. Apesar de, a todo momento surgir um candidato para mexer a sopa, o velho muito delicadamente dizia: “Vocês já estão ajudando muito este velho com a sopa de pedra dele, mas eu é que devo mexer”. Como um milagre, a cada contribuição, a sopa foi tomando corpo, ficando colorida e rica, com um cheiro delicioso com tantos ingredientes partilhados pela pequena multidão. Satisfeito com o cozimento, o velho olhou para o pequeno grupo e perguntou: “Vocês querem provar de minha deliciosa sopa de pedra?
Como que de repente já esperado, surgiram vários pratos, que foram servidos um a um pelo velho com uma alegria de dividir aquele momento e uma indisfarçada expectativa no olhar, como que perguntando se eles tinham gostado. Os olhares abismados uns para os outros, cabeças assentindo após cada colherada, o estalar dos lábios e o fato de não ter sobrado uma gota na panela, encheu de contentamento o velho. Sim, a sopa tinha ficado deliciosa!
Quando acabou de comer, com a mesma delicadeza e calma, o velho lavou, enxugou e embrulhou sua preciosa pedra, guardando no bolso com gestos de quem não quer chamar a atenção. Agradeceu um a um e pegou a estrada. A pequena multidão meio atordoada, meio sem entender e ao mesmo tempo entendendo o que tinha acontecido, mantinha um silêncio de aproveitar o momento. Saber que poderiam fazer uma sopa daquelas com tantos ingredientes não importava, diante da emoção por ter compartilhado a construção do impossível. Foi quando a dona da panela, começando andar em direção a sua casa disse: “Vamos pra casa gente, se pensar muito vai acabar estragando a sopa de pedra!”. (Fev.2004) (4)

Manifesto do Laboratório de Pesquisa Sopa de Pedra

“O desconhecido, não é aquilo a respeito do qual não sabemos absolutamente nada, mas é aquilo que, no que conhecemos, se impõe a nós como elemento de inquietação”. (Heidegger 1963)


O Laboratório de pesquisa Sopa de Pedra , é um projeto da Central Adolescentes / AdolesCenter, para fomentar o desenvolvimento de pesquisas. É um espaço virtual que congrega pessoas com interesse em pesquisar, orientados numa proposta de ensino-aprendizagem, com o objetivo de trocar informações e experiências a respeito de projetos e de pesquisas.

Consideramos que pesquisar é uma necessidade humana e legítima de se obter respostas para o que desconhecemos, e deve ser estimulada e desenvolvida. A diferença da atitude cotidiana de todo sujeito, de construir conhecimentos nas inter-relações com o “mundo externo e interno” e a pesquisa de valor eurístico, está na metodologia. São as necessidades que fazem surgir às motivações para a busca do conhecimento, que acima de tudo é revolucionário, pois liberta e aprisiona ao mesmo tempo no próximo desconhecido. Por mais vital e importante que seja a necessidade do sujeito, este deve saber que tem o direito e a competência de tê-las para poder construir motivações, se não, jamais vai percebê-las.

Estimular as necessidades, as motivações para a construção do conhecimento é a arte de se fazer uma boa sopa de pedra, e este deve ser nosso aprendizado.

Tem como premissas básicas:

1) O ponto de encontro será a web, (World Wide Web) e se dará através de recurso como o grupo de discussão, o my yahoo, blogs, home page. Como em todas as etapas do processo, se buscará a complexidade e eficiência para atingir os objetivos.

2) O compromisso é com o rigor da metodologia, independentemente que seja qualitativa ou quantitativa.

3) Para participar do Laboratório de Pesquisa Sopa de Pedra, os únicos pré-requisitos necessários são dois: o primeiro é querer pesquisar e o segundo, demonstrar um desejo e a disposição de compartilhar o aprender e o ensinar a pesquisar, por isso, não há exigências de conhecimentos prévios a respeito de metodologia, isto se aprende e apreende.

4) Todas as pesquisas serão na forma de projetos abertos para os participantes, isto é, todos os passos de cada projeto, serão compartilhados com todos os integrantes do grupo quanto à metodologia, as informações, e técnicas, sem perder, contudo a autoria.

5) Os comentários dos pares serão orientados pelas soluções e não pelas dificuldades e problemas.

6) Acreditamos que estas inter-relações proporcionarão a manifestação e desenvolvimento de novas competências em cada membro do grupo.


Valdi Craveiro Bezerra
Brasília, 01 de março de 2004

Contato: valdicbezerra@yahoo.com.br

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[1] Heidegger, M. (1963) Kant et le problème de la métaphysique Paris, 1963, p.217 apud Buzzi, Arcângelo R. Introdução ao Pensar, p.24, Vozes, Petrópolis, 1988 17ª ed.