1 de abril de 2007

OS URUBUS E SABIÁS

Como é formada uma comunidade cientìfica? A ciência é livre de ideologia?
Este texto do Rubens Alves provoca reflexões importantes, além de ser delicioso.
O importante é está atento para reconhecer e aprender.

Rubens Alves

Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam. Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão de mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em inicio de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamavam por Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia doa urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás. Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito. “-Onde estão os documentos dos seus concursos?” E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem.. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam, simplesmente. “-Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito á ordem.” E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás.

MORAL: Em terra de urubus diplomados não se ouve conto de sabiá.



(Rubem Alves, Estórias de quem gosta de ensinar.

São Paulo: Cortez Editora, 1984, p. 61-62)

LEIAM O LIVRO

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